A terceira margem do rio – Guimarães Rosa
CENÁRIO E SUBSTRATO SOCIAL
*Há, muitas vezes, no cenário onde se passa a história, o mundo da infância e mocidade do próprio Guimarães Rosa, com poucos toques, mas com ricos significados. Ele também levava em conta os rios, morros, horizontes e campos.
Exemplos:
“(...) Nossa casa, no tempo, ainda era mais próxima do rio (...)”
“(...) O rio por aí se estendendo grande, fundo (...)”
“(...) no entre as raízes da gameleira, ou na lapinha de pedra do barranco (...)”
Como diz nos exemplos, a casa onde quem narra a história morava, era bem próxima à um rio, grande, fundo, com muitas raízes e pedras em volta.
*Pessoas eram pouco comunicativas, havia uma rotina a se cumprir e qualquer acontecimento que ocorria de diferente, provocava em todos a curiosidade, a agitação, o alvoroço.
Exemplos:
“(...) As vozes das notícias se dando pelas certas pessoas – passadores, moradores de beiras, até do afastado da outra banda – descrevendo (...)”
“(...) A estranheza dessa verdade deu para estarrecer de todo a gente (...)”
“(...) Nossa mãe muito não se demonstrava (...)”
“(...) Sem o arrumo, só com o chapéu velho na cabeça, por todas as semanas, e meses, e os anos. (...)”
*Outra característica muito importante em algumas histórias de Guimarães, é que a sede do sobrenatural gera santos e suscita milagres, matiza a religião de variantes animísticas, como no conto, que ele cita Noé.
“(...) como por ocasião, no começo, na vinda das primeiras cheias do rio, com chuvas que não estiavam, todos temeram o fim-do-mundo, diziam: que nosso pai fosse o avisado que nem Noé, que, por tanto, a canoa ele tinha antecipado (...)”
PERSONAGENTES
*Mais que personagens e menos que protagonistas, pertencem a duas categorias: loucos e crianças. Os loucos, que no conto ganham destaque, são numerosos, cheios de sabedoria e eram tidos como forma heróica de se agir e não covarde. Os autores não se importavam com os casos clínicos, e sim, tomavam a loucura como um jeito de expressar a invasão do irreal, irracional e mágico.
Em “A Terceira Margem do Rio”, o autor levou em consideração, que o pai foi com a canoa para o rio sem motivo algum, e que, por isso, todos pensavam que ele tinha ficado louco.
Exemplos:
“(...)por isso, todos pensaram de nosso pai a razão em que não queriam falar: doideira.(...)”
“(...)os anos todos, não se condenava ninguém de doido. Ninguém é doido. Ou, então, todos. (...)”
*Já as crianças, eram tidas como quem expressasse sensibilidade, otimismo, fé, santidade e bondade.
No conto, o filho do homem que largou sua família para viver em uma canoa, mostra que perdeu sua infância levando alimentos, roupas para seu pai e tendo a esperança de vê-lo de perto, em terra, como um dia.
Exemplos:
“(...)Eu mesmo cumpria de trazer para ele, cada dia, um tanto de comida furtada(...)”
“(...)Mostrei o de comer, depositei num oco de pedra do barranco, (...). Isso, que fiz, e refiz, sempre, tempos a fora.(...)”
“(...) Enxerguei nosso pai, no emfim de uma hora, tão custosa para sobreviver: só assim, ele no ao-longe, sentado no fundo da canoa, suspendia no liso do rio.(...)”
ENFOQUE E PERSPECTIVA
*Há mistérios, raízes de experiências do próprio autor, levando em conta uma participação direta, ainda que não muito intensa do mesmo. A história é narrada em 1ª pessoa, porém dividida em duas fases, a de quando o personagem era criança, e depois quando está mais velho. E isso faz com que o autor torna-se um relator, desenrolando a ação e seus detalhes.
Exemplos:
-Quando criança:
“(...) E esquecer não posso, do dia em que a canoa ficou pronta. (...)”
“(...) Nosso pai suspendeu a resposta. Espiou manso para mim, me acenando de vir também, por uns passos (...)”
-Quando adulto, velho:
“(...) E apontavam já me mim uns primeiros cabelos brancos (...)”
“(...) Eu mesmo já tinha achaques, ânsias, cá de baixo, cansaços, perrengue de reumatismo (...)”
ESTRUTURA
*Guimarães Rosa sabe criar suspenses, produzir uma expectativa de catástrofe, de tragédia. Mas se acaba não ter esse esperado final.
Exemplos:
“(...) Nosso pai... se dissertava para outra sina de existir, perto ou longe de sua família dele. (...)”
“(...) que nosso pai nunca se surgia a tomar terra, em ponto nem canto, de dia nem de noite (...)”
“(...) não ia, mais dia menos dia, fraquejar do vigor, deixar que a canoa emborcasse, ou bubuiasse sem pulso, na levada do rio (...) no tombo da cachoeira. (...)”
E o tal esperado final, deixa a se desejar, o “homem da canoa” não cai cachoeira abaixo, e sim, seu filho resolve ir e tomar o seu lugar no rio, porém, desiste.
Exemplos:
“(...)ele tinha levantado o braço e feito um saudar de gesto (...)”
“(...) Por pavor, arrepiados os cabelos, corri, fugi, me tirei de lá (...)”
“(...) Sei que ninguém soube mais dele (...) Sou o que não foi, o que vai ficar calado. (...)”
*O autor esconde a explicação no título muitas vezes, e faz com que o leitor de um modo ou de outro, releia a história, para saber seu próprio significado, tirando suas conclusões e assim, se tornando também, um colaborador. No conto, o título descreve que há uma terceira margem do rio, um rumo diferente, algo em que mudará o caminho, a vida dos personagens, que no caso seria, o homem ir para um rio apenas com uma canoa e passar todo o resto da sua vida lá.
O CHOQUE ESTILÍSTICO
*O autor, apesar de surgir na literatura como escritor regionalista, ele não o adotou. O que verdadeiramente adotou, foi os processos da língua popular, como gírias e palavras em outros idiomas, e isso fez com que ele tivesse seu estilo próprio nas histórias.
Exemplos:
“(...) eu mesmo me alembro (...)”
“(...) e que ralhava no diário com a gente (...)”
“(...) não pegou matula e trouxa (...)”
“(...) mascou o beiço e bramou (...)”
“(...) sê vai, ocê fique, você nunca volte (...)”
*Guimarães Rosa faz da realidade, ficção. Usa mosaico. Constrói seus próprios personagens, com pedaços e traços de pessoas que retirou da própria memória, da sua convivência, porém, os mudando, os juntando, criando outro, fundindo cenas e enredos.
Exemplo:
“(...) pois agora me entrelembro. Meu pai, eu não podia malsinar. E apontavam já em mim uns primeiros cabelos brancos (...)”
ANTONIA ARENHART 3º 37
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