terça-feira, 1 de novembro de 2011

GABARITO - CLARICE LISPECTOR - LAÇOS DE FAMÍLIA

1.      Em DEVANEIO E EMBRIAGUEZ DUMA RAPARIGA, a frase “ Os espelhos vibravam ora escuros, ora luminosos” faz referência a(o):
a)      Estado da alma do narrador-protagonista;
b)      Incerteza da vida do narrador-protagonista;
c)       Consequência do passar dos bondes; (x)
d)      Ambiguidade  de pensamento do narrador-protagonista;
e)      Posição dos espelhos em relação à rua.

2.      “  O pente trabalhava meditativo” a figura de linguagem empregada nessa frase é:
a)      Sinestesia;
b)      Prosopopeia;(x)
c)       Eufemismo;
d)      Catacrese;
e)      Metonímia.

3.      [...] “ os seios entrecortados de várias  raparigas” sugere que:
a)      Há mais de uma mulher a olhar para aquele espelho; (X)
b)      Há mais de uma alma a olhar para aquele espelho;
c)       Há mais de uma imagem a olhar para aquele espelho;
d)      A personagem quebrou o espelho;
e)      O espelho partiu-se  com a vibração dos elétricos.

4.      Pode-se encontrar DEVANEIO na seguinte frase dita pela personagem-protagonista:
a)      “Ai,ai suspirou a rir. Teve a visão de seu sorriso claro de rapariga ainda nova, e sorriu mais fechando os olhos, a abanar-se mais profundamente. Ai,ai, vinha da rua como uma borboleta.” (X)
b)      “–Ai que não me maces! Não me venhas a rondar como um galo velho.”
c)       “ Sua cólera tênue, ardente.”
d)      “Ela ainda à cama, tranqüila, improvisada. Ela amava...”
e)      “Ai que quarto suculento! Ela se abanava no Brasil.”

5.      Uma visão antirromântica:
a)      [...] “ rir como a uma bisbilhotice.”
b)      [...] , “túrbida e leve na cama, um desses caprichos, sabe-se lá.”
c)       Até adormeceu com a boca aberta, a baba a umedecer-lhe o travesseiro.” (X)
d)      “Só levantava  mesmo para ir a casa de banhos, donde voltava nobre, ofendida.”
e)      “Sua leveza cripitou como folha seca:”.

6.      A realidade na vida da personagem- protagonista  se apresenta quando:
a)      O marido chega em casa;
b)      As crianças estão para voltar ; (X)
c)       Vai jantar fora;
d)      Acorda;
e)      Embriaga-se.

7.      Uma visão Naturalista:
a)      “ Sua sensibilidade incomodava sem ser dolorosa, como uma unha quebrada.”
b)      [...]”os convidara e pagara o pasto.”
c)       “As mais santazitas eram as que mais cheias estavam de patifaria.”
d)      “Oh, como estava humilhada por vir á tasca sem chapéu, a cabeça agora parecia-lhe nua.”
e)      “ E aquela vaidade de estar embriagada a facilitar-lhe um tal desdenho por tudo, a torná-la madura e redonda como uma grande vaca.” (X)

8.      “ Na sua sagrada cólera, estendeu com dificuldade a mão e tomou um palito.”
Nesta frase , encontra(m)-se a (s) figura(s) de linguagem:
a)      Somente paradoxo; (X)
b)      Paradoxo e antítese;
c)       Somente metonímia;
d)      Paradoxo e metonímia;
e)      Somente antítese.

9.      “ Estava sentada à cama, conformada, cética.” Esta frase, dita pelo narrador, mostra:
a)      Que embora a personagem estivesse  embriagada , ela tinha  consciência dos seus atos e a consequência destes; (X)
b)      Que ela, por estar embriagada, não tinha consciência de seus atos;
c)       Que a embriaguez provocou na personagem um surto de conformismo e ceticismo;
d)      Que o conformismo e o ceticismo vieram por causa da embriaguez e por conta disso restava-lhe sentar à cama e esperar;
e)      Que nada mais a tiraria daquele lugar, uma vez que se sentia conformada e cética diante dos acontecimentos.

10.  “O chão lá não muito limpo. Que relaxada e preguiçosa que me saíste.” Pode-se inferir que:
a)      A personagem-protagonista tinha voltado á sua sobriedade;
b)      A personagem-protagonista  havia voltado a sua realidade;
c)       A  personagem-protagonista reconhece seu estado degradado; (X)
d)      A personagem-protagonista sabe que tem tarefas a cumprir;
e)      A personagem –protagonista  apenas fez um comentário.

11.  A expressão “Cadela” em “ Cadela, disse a rir.” pode se referir  na língua portuguesa a:
I – Fêmea do cão;
II – Mulher cujo o comportamento é considerado reprovável;
III – Estado de embriaguez : bebedeira.

A (s) resposta(s) que melhor se adéqua(m) aos últimos acontecimentos da história é(são):   
a)      I;
b)      I, II,
c)       I,II,III
d)      II
e)      II e III (X)

Conto AMOR  -
1.       Elementos que estão presentes tanto no conto  “Devaneio  e embriaguez de uma rapariga” e “Amor”, exceto:
a)      Bonde;
b)      Filhos;
c)       O apartamento;
d)      O cego; (X)
e)      Marido.

2.       “ Crescia sua rápida conversa  com o cobrador da luz, crescia a água enchendo o tanque, cresciam seus filhos, crescia a mesa com comidas,[...]” O recurso lingüístico que utiliza a repetição de palavras em começo de frases ou versos é chamado de:
a)      Anacoluto;
b)      Hipérbole;
c)       Hipérbato;
d)      Apóstrofe;
e)      Anáfora;

3.       “ Ana dava a tudo, tranquilamente, sua mão pequena e forte, sua corrente de vida.”
Ana era, segundo o desenrolar da história, a mola-mestra de sua família. Quando todos já estavam  seguros e não precisavam mais dela, ela sentia-se:
a)      Satisfeita;
b)      Insegura;(X)
c)       Inquieta;
d)      Vigorosa;
e)      Vitoriosa.

4.       Ana tinha a necessidade de se sentir a(o):
a)      Raiz forte das coisas;
b)      corrente forte da vida; (X)
c)       solidez do mundo;
d)       elo de sua família;
e)      mola-mestra  do universo.

5.       Ao casar e ter filhos, Ana se distancia da sua juventude. Nesse ponto ela descobre que:
a)      É impossível  voltar à juventude;
b)      É possível viver sem felicidade; (X)
c)       É impossível viver sem felicidade;
d)      Na juventude ela não era tão feliz quanto na maturidade;
e)      A maturidade lhe deu ciência da vida.

6.       Ana vivia abafando:
a)      Os sentimentos de ternura; (X)
b)      A vida pessoal;
c)       Os deveres de família:
d)      As obrigações de dona de casa;
e)      A sua juventude.
7.       Ana gostava de se sentir no controle das situações. Em que momento ela perdeu esse controle ?
a)      Quando percebeu que a tarde chegara;
b)      Quando  ovos caíram no chão;
c)       Quando percebeu que todos riam do acontecido;
d)      Quando ela percebeu um cego que mascava chiclete. (X)
e)      Quando o jornaleiro entregou-lhe o embrulho.

8.       “ O mundo era tão rico que apodrecia.”
Esta constatação veio com:
a)      O paradoxo : frutas apodrecendo/ crianças com fome; (X)
b)      O paradoxo: vida plena/ miséria;
c)       O paradoxo: jardim pleno/ região árida;
d)      O paradoxo: céu/ inferno;
e)      O paradoxo: fascinação/ nojo.

9.       “ seu coração se enchera  com a pior vontade de viver.” Esta frase mostra que:
a)      Ana acordou de sua vidinha superficial;
b)      Ana  ficou horrorizada que pessoas como o cego pudessem existir; (X)
c)       Ana ficou enojada com o que acabara de vivenciar;
d)      Ana  descobriu que havia pessoas ruins no mundo;
e)      Ana queria ardentemente esquecer o que havia vivido no trajeto do bonde.

10.   “ A cidade estava adormecida e quente.” As figuras de linguagem utilizadas foram:
a)      Prosopopeia e metonímia;
b)      Prosopopeia e aliteração;
c)       Prosopopéia e sinestesia; (X)
d)      Prosospoeia e hipérbole;
e)      Prosopopeia e eufemismo.

11.    A prova que Ana  se sentia responsável por tudo ao seu redor está na fala:
a)      “ Apesar de ter usado poucos ovos, o jantar estava bom.
b)      “Humilhada sabia que o cego preferiria um amor mais pobre.”
c)       “Fora atingida pelo demônio da fé.”
d)      Não quero que lhe aconteça nada, nunca!”
e)      “Antes de deitar, com se apagasse uma vela, soprou a pequena flama do dia.”



12. . O conto AMOR  tem como mola-mestra:

a) o jardim botânico;
b) o cego; (X)
c) as crianças;
d) Ana;
e) a vida.



CONTO : Uma galinha

1. Este conto propõe várias reflexões, entre elas está:

a) Que a galinha é só uma galinha;
b) Que a galinha tem sentimentos e devemos respeitá-los;
c) Que não devemos comer galinhas aos domingos;
d) Que a galinha  é mãe e como tal deve ser respeitada;
e) Que a galinha não era o único bicho da história. (X)

2. " A galinha é um ser. É bem verdade que não se podia contar com ela para nada."
A frase, no texto, que desmente a frase acima é:

a) "Estúpida, tímida e livre."
b) "Ela quer o nosso bem." (X)
c) "A galinha tornara-se a rainha da casa."
d) " Inconsciente da vida que lhe fora entregue, a galinha passou a morar com a família."
e) "Parecia calma."

3. O desfecho da história da Galinha, infere que:

a) A galinha nunca fora amada pela família;
b) A galinha era apenas uma galinha;
c) Que a família estava fingindo ao deixar que a galinha ficasse na casa.
d) Que o ser humano é volúvel . (X)
e) Que a galinha deu "mole" demais ao se sentir dona da casa.

4. A galinha é mencionada em  outro conto que não "A galinha".

a) Feliz aniversário;
b) Amor;
c) Devaneio e embriaguez de uma rapariga;
d) A imitação da Rosa; (X)
e) Não há menção em nenhum dos contos acima.



Conto : Imitação da Rosa

1. Este conto tem  características semelhantes as dos contos:
a) Feliz aniversário; devaneio e embriaguez de uma rapariga;
b) Feliz aniversário; a galinha;
c)Devaneio e embriaguez de uma rapariga; Amor; (X)
d) Feliz aniversário ; Amor;
e) Não há características semelhantes entre os contos.

2. O espelho, elemento essencial na maioria dos contos de Clarice Lispector. Pode-se inferir que:
a) O espelho é apenas um elemento de composição do cenário;
b) O espelho é o reflexo daquilo que aparentemente não se vê;
c) o espelho é o reflexo apenas do que aparentemente se vê;
d) O espelho é o reflexo do que aparentemente  se quer ver;
e) o Espelho é a denúncia de um ser que aparentemente se vê.(X)

3. Uma diferença entre este conto e "Devaneio e Embriaguez de uma rapariga" e "Amor" é que:
a) A protagonista não tivera filhos; (X)
b) A protagonista é uma pessoa que estava bem;
c) A protagonista não tinha conflitos por estar bem;
d) A protagonista não dava importância para o que os outros pensavam porque estava bem.
e) A protagonista não estava bem.

4. Provavelmente Laura sofria de:
a) compulsão a flores;
b) Saciedade;
c) Ansiedade; (X)
d)Mania de perseguição;
e) Mania de limpeza.

5. As mulheres em " Amor" e" Imitação da Rosa" têm em comum:
a) A necessidade de serem reconhecidas;
b) A necessidade de serem vistas;
c) A necessidade de serem amadas;
d) A necessidade de serem esquecidas;
e) A necessidade de serem necessárias. (X)

6. Laura se sentia culpada, principalmente quando:
a) Conversava com a Carlota;
b) Conversava consigo mesma;
c) Conversava com a empregada;(X)
d) Conversava com o marido;
e) Conversava com o espelho.

7. Laura estava em meio a um grande dilema:
a) Aceitar-se a si mesma ou deixar-se levar pelo impulso;
b) Os outros a aceitarem como era ou não se importar com os outros;
c) Carlota achar que ela estava louca ou não se importar com sua amiga;
d) O marido pensar que ela não estava curada ou deixar que o marido tivesse dúvidas;
e) Não dar motivo para o espanto dos outros ou não se esforçar para provar que já estava curada. (X)

8.  Por que Laura, em um primeiro momento,  queria dar das flores?
a) Para ser gentil com Carlota;
b) Para se livrar da beleza das flores; (X)
c) Para causar boa impressão ao marido;
d) Para se livrar da empregada;
e) Para admitir que estava curada.

9. De repente as rosas passaram a ser tão  lindas a ponto de:
a) Laura entrar em conflito existencial; (X)
b) Laura ficar em pânico;
c) Laura ficar doente;
d) Laura ficar catatônica;
e) Laura entrar em depressão.

10. A falta da rosa provocaria:
a) ansiedade em sua vida;
b) Ausência em sua vida; (x)
c) Mortificação em sua vida;
d) Tristeza em sua vida;
e) Perturbação em sua vida.

11.O título do Conto: A IMITAÇAO DA ROSA está diretamente ligada ao pensamento de Laura, no momento em que:
a) ela chega da feira;
b) Entrega o embrulho à empregada;
c) se levantar para se vestir;
d) percebe que as rosas são lindas; (X)
e) resolve dá-las a Carlota.

12. Mesmo não falando sobre o assunto da saúde de Laura, ela e o marido se comunicavam através:
a) de uma linguagem do rosto; (X)
b) de uma linguagem das mãos;
c) de uma linguagem dos olhos;
d) de uma linguagem do corpo;
e) não havia uma linguagem para isso.

13. Ao final podemos inferir com a frase " [...] como num trem. Que já partira."
a) Que o casamento havia chegado ao fim.
b) O marido não conseguia alcançar o pensamento da mulher;
c) Laura não estava e não estaria mais em seu juízo. (X)
d) O marido estava muito cansado;
e) Que tudo estava sob controle.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

PARA SEGUNDA SEMANA DE NOVEMBRO

NA SEGUNDA SEMANA DE NOVEMBRO ESTUDAREMOS ÉRICO VERÍSSIMO ATRAVÉS DOS VÍDEOS POSTADOS.
NA TERCEIRA SEMANA, FALAREMOS SOBRE O MATADOR ( PATRÍCIA MELO )

sábado, 22 de outubro de 2011

Encerramento das perguntas sobre Clarice Lispector

Agradeço a todos os que leram os contos e  numa "luta corporal e mental" sofreram literalmente ao responderem as questões feitas por esta professora.
Perdoem-me as construções ambíguas das perguntas ou as que foram mal formuladas, tive que deixar minha insignificância literária para sentir-me um pouco inteligente e com certeza não alcançando tal virtude, pois Clarice Lispector exigiu muito de mim e senti que exigiu demais.

Meus sinceros respeitos.

sábado, 15 de outubro de 2011

O matador - Autora: Patrícia Melo

Último conteúdo. Será cobrado na última semana de novembro.
Busquei informações na internet: http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/resumos_comentarios/o/o_matador



O matador, de Patrícia Melo

Com foco narrativo em primeira pessoa do singular, O Matador, de Patrícia Melo, publicado em 1995, narra a ascensão e a derrocada de Máiquel, um jovem de periferia que, por acaso, se transforma em um assassino profissional, admirado e querido por seus vizinhos, pois é visto como um justiceiro que se livra dos bandidos que ameaçam a ordem de seu bairro.

A narração se dá através de Máiquel que, em decorrência de uma simples aposta, se vê envolvido numa série de crimes, se transformando num criminoso brutal, num matador profissional. Para esse romance Patrícia Melo desenvolveu uma intensa pesquisa sobre o mundo do crime, presídios e matadores, apresentando uma narrativa ágil, densa e bem-humorada pelos meandros da violência urbana.

Pode-se ainda afirmar que a temática do crime e da violência, na qual se centra a obra da autora, é recorrente em toda ahistória da literatura.

Nesta obra, a autora retoma o estilo urbano violento das primeiras obras de Rubem Fonseca e recria-o para retratar as novas facetas da sociedade brasileira no fim do século XX, levando a uma relação inevitável entre o mundo retratado nos textos consagrados do autor na década de 70 e a realidade social dos anos 90.

Nesse universo, em que predominam as ações, descritas de maneira realista e minuciosa, a violência exerce um papel fundamental, justamente pelo fato de ser o próprio matador quem narra. É interessante perceber como essa narrativa da violência vai se construindo às custas da publicidade, das notícias de telejornal, dos anúncios, reportagens e manchetes jornalísticas, do vídeo clipe, do cinema, além de se valer da música popular, do rap, da poesia, da piada etc. O fragmento abaixo exemplifica esse comportamento da linguagem literária:
Justiceiros matam cinco em São Paulo, dizia a manchete. Eu estava na casa de um cliente, lendo o jornal que ele havia acabado de me dar, o menor R.S.P. conseguiu se salvar fingindo-se de morto, e está no hospital fora de perigo, dizia a reportagem. Puta merda, eu falei, como esse desgraçado conseguiu fugir?(p.150)
Pode-se dizer que em O Matador impera uma promiscuidade discursiva, isto é, uma mistura desordenada da linguagem literária com outras linguagens, sendo raros os parágrafos em que isso não se concretiza. Aparentemente, essa narrativa associa-se ao que Manfred Pfister (1991) denomina intertextualidade eclética pós-moderna, ou seja, um diálogo com textos advindos dos mais diversos meios culturais, canonizados ou não, sem que haja um propósito crítico ou analítico, mas simplesmente o estímulo dos prazeres proporcionados pela heterogeneidade.

Observe agora a trajetória de Máiquel, o narrador-protagonista desta obra:

1. O chamado da aventura
O primeiro passo da aventura de Máiquel começa sempre por um incidente, um "erro", aparentemente um mero acaso, mas que se trata do primeiro indício de um mundo insuspeito, um mundo fabuloso no qual Máiquel irá se aventurar.
 

No romance
 O matador, esse primeiro passo está logo no primeiro capítulo. A frase que dá início à narração deixa bem claro o caráter de acaso da história que será narrada: "Tudo começou quando perdi uma aposta".

A aposta que Máiquel havia perdido era sobre o resultado do jogo entre São Paulo e Palmeiras e o pagamento era pintar o cabelo de castanho-aloirado. Por uma distração, um "erro", a pintura fica mais tempo do que deveria e o cabelo de Máiquel torna-se loiro. E eis que acontece a transformação de Máiquel:
Sempre me achei um homem feio. Há muitas curvas em meu rosto, muita carne também, nunca gostei. Meus olhos de sapo, meu nariz arredondado, sempre evitei espelhos. Naquele dia foi diferente. Fiquei admirando a imagem daquele ser humano que não era eu, um loiro, um desconhecido, um estranho. Não era só o cabelo que havia ficado mais claro. A pele, os olhos, tudo tinha uma luz, um moldura de luz. De repente todos os meus traços tornaram-se harmônicos, a boca, que sempre fora caída, continuava caída, o nariz continuava arredondado, as pálpebras inchadas, porém tudo isso era bobagem porque havia algo maior, mais importante, a moldura. Havia Luz na minha face, e não era uma luz artificial de refletores. Era aquela luz que a gente vê em imagens religiosas, luz de quem é iluminado por Deus. Foi assim que me senti, próximo de Deus.
O "erro" de Máiquel, na verdade, era resultado de desejos e conflitos inconscientes, se observarmos o que diz Máiquel logo a seguir:
Aquela tinta tingiu alguma coisa muito profunda dentro de mim. Tingiu minha autoconfiança, meu amor-próprio. Foi a primeira vez, em vinte e dois anos, que olhei o espelho e não tive vontade de quebrá-lo com um murro.
Esse momento de transfiguração pode significar a passagem da adolescência para a fase adulta. 

2. A recusa do chamado
Nesse segundo momento Máiquel tenta de todas as maneiras recusar o chamado, mas de alguma maneira o destino faz com que cumpra sua jornada.

Em
 O matador, o episódio que marca esse momento é quando Máiquel faz sua primeira vítima. Máiquel havia marcado um duelo e não entende por que fez aquilo: 
No dia seguinte, acordei com dor de dente e não fui trabalhar. Estava arrependido de ter proposto um duelo, aquilo tinha sido uma bobagem, uma estupidez sem fim. Quis dar uma de bacana para impressionar a Cledir e me ferrei todo.
Vê-se que Máiquel de fato não deseja duelar. Ou seja, se recusa ao chamado da aventura; no entanto:
Cledir soluçava, implorava, não faça isso, não estrague sua vida. Tudo bem, Cledir, não precisa chorar, você tem razão. Apartamento com dois dormitórios, sem entrada, aproveite. Não vou duelar. Móveis para a cozinha. Vou me casar com você. Tudo para o seu lar. Vou trabalhar direito naquela loja de carros usados, vou melhorar devida. Coisas boas passaram pela minha cabeça, mas eu não disse nada disso para Cledir. Eu disse: nem fodendo (...).

Dei o primeiro tiro, Suel voou no chão, deve ter morrido na hora.
Apesar de racionalmente não querer matar, Máiquel não consegue realmente desviar-se do caminho que já estava traçado por Deus para ele, conforme acredita.
Realmente não dá entender como é que um sujeito faz uma bobagem dessas. Só há uma explicação: Destino. Antes da gente nascer, alguém, sei lá quem, talvez Deus, Deus define direitinho como vai foder com sua vida. É isso. Era a minha teoria. Deus só pensa no homem quando tem que decidir como é que vai destruí-lo. Quando ele não tem tempo, faz uma guerra, um furacão, mata um monte. Em mim ele pensou.
Máiquel atribui a Deus o seu gesto de morte, "o jogo do sagrado e da violência é apenas um".

A repercussão da atitude de Máiquel, a execução de Suel, parece confirmar que quando a ação do herói coincide com a ação para qual sua própria sociedade está pronta, ele parece seguir o grande ritmo do processo histórico:
Gonzaga, assim que me viu, estendeu a mão molhada, aquela mão objetiva e úmida apertando minha mão, sorrindo e dizendo que eu poderia pedir o que quisesse, que era por conta da casa, que a partir de agora seria assim, tudo o que você quiser. Ele estava feliz por eu ter matado o Suel. O Suel era um miserável filho da puta, roubou o toca-fitas do carro da minha irmã, todo o mundo odeia o Suel, eu odeio o Suel ele disse.

(...) Robinson apareceu, puxou-me para o brilhar, só se fala disso no bairro, estão todos orgulhosos de você, ele disse.
3. O auxílio sobrenatural
Uma figura representa o poder benigno e protetor do destino e que auxiliou Máiquel na sua aventura:
Eu vou te dizer uma coisa, rapaz, você tem os dentes ruins, eu sou dentista, eu tenho um problema e você tem os dentes ruins. Podemos nos ajudar. Você me ajuda, eu te ajudo. Eu trato dos seus dentes de graça e você faz alguma coisa para mim. Você concorda? Eu quero ter dentes bons. Matar um desgraçado, é isso que eu quero de você.
A figura protetora na aventura de Máiquel é o dr. Carvalho. Máiquel deverá matar o estuprador de sua filha em troca de ter dentes tratados. Também será dr. Carvalho quem lhe irá agenciar as outras mortes, ou seja, o condutor, o iniciador da sua carreira/aventura de matador profissional:
(...) dr. Carvalho voltou com um copo de uísque, mandou a Gabriela deixar nós dois sozinhos, você tem que se animar, garoto, tome isso. Tomei, o uísque era bom, me aqueceu. A vida melhorou um ponto. Você pensou melhor na proposta do Sílvio? Fiz sim com a cabeça, antes mesmo de lembrar que o Sílvio era aquele homem que eu tinha conhecido no jantar na casa do dr.Carvalho, aquele homem que reciclava lixo e que queria que eu matasse alguém. A televisão mostrava propaganda de comida, boceta, cobertor, sapato, casa, automóvel, relógio, dentes, colégio, namorada, aparelho de som, respeito, sanduíche de mortadela, sorvete, bola de futebol, xarope, meia, cinema, filé mignon. E isso aí garoto.Você fez bem. Vamos para o meu escritório. Vamos conversar sobre aquele filho da puta que está atormentando a vida do Sílvio.
4 e 5. Passagem pelo primeiro limiar e o ventre da baleia
Este momento refere-se ao aspecto externo e o quinto às questões de ordem interna com as quais Máiquel deverá se deparar. É o lugar das trevas, do desconhecido.
Estuprador. Gênios caprípedes e broncos / Estupram virgens hamadríades, quinta série, d.Leda, professora de português (...) Decorei alguns versos para agradar d. Leda, às vezes, no meio de nada, eles aparecem dançando na minha mente. Ezequiel era um estuprador, diziam.
O limite que Máiquel teria de transcender era matar, matar sob encomenda, para isso teria de transformar seus valores, enfrentar seus medos, fortalecer seu ego , fazendo coisas importantes para si mesmo. Um homem para matar, aquilo me incomodava.
(...) O que é que guardaram de especial para mim? Posso vender sapatos, descascar batatas, qualquer coisa. Foda-se. Posso também matar. É fácil matar, você pega o revólver, aperta o gatilho e pronto, um gesto simples, morrer é que difícil. Eu ainda não tinha certeza se ia matar Ezequiel.(...) O homem para matar, os pensamentos vieram como carneirinhos e eu deixei que eles pulassem obstáculos. Pularam. As coisas foram ficando claras, fui alinhando tudo. Eu mataria Ezequiel porque era importante para mim. Dentes bons, cavalo dado, caça. Não preciso ter medo.
Esse momento está relacionado às indagações sobre a vida e morte, mesmo a condição sócio-cultural de Maiquel não lhe permitindo grandes vôos filosóficos e indagações sobre a vida e morte, como as enfrentadas pelos heróis literários: "Abandonei a escola e hoje não me sinto mais digno de entrar em sua morada, mas dizei uma só palavra e serei salvo". 6. O caminho das provas
Depois da morte de Ezequiel, sua primeira prova, Máiquel começa uma jornada por um mundo, no mínimo, estranho ao seu cotidiano:
A casa do dr. Carvalho tinha muito mogno e cetim, leque chinês, laca, penachos coloridos plantados em vasos gigantes e tapetes que batiam na canela da gente (...) Chegaram os abacaxis tropicais, uma espécie de maionese que é servida em porções individuais dentro do próprio abacaxi, eu nunca tinha visto aquilo, que espécie de maluquice é esta? (...) Experimente esse cigarro americano. Percebi que ele notou meu sapato todo fodido. Os cigarros americanos são os melhores do mundo.

Enquanto caminhava e olhava para os meus sapatos fodidos, eu pensava que a vida é uma coisa engraçada. Ela vai sozinha, como um rio, se você deixar. Você também pode botar um cabresto, fazer da vida seu cavalo. A gente faz o que quer. Cada um escolhe sua sina, cavalo ourio.
Irá Máiquel desistir da sua jornada como matador, colocará "cabresto" na sua vida e não matará mais ninguém ou navegará pelo "rio" de sangue que a vida está lhe apresentando? Essas são as questões com que Máiquel se defronta, entre o livre-arbítrio ou o destino, entre as ações conscientes e as inconscientes, incontroláveis. 7 e 8. O encontro com a deusa e a mulher com tentação 
Em síntese, esses momentos representam o encontro do herói, Máiquel, com a figura arquetípica da mãe. Essa figura é tanto "boa" como "má" e espera-se que o
devoto contemple as duas com a mesma equanimidade, pois é por meio desse exercício que seu espírito é purgado de toda sentimentalidade e ressentimento, infantis e inadequados. Em
O matador, a "boa" e a "má" figura são representadas por Cledir e Érica, respectivamente:
Érica era uma garota inteligente, e cada vez mais eu gostava de ficar com ela. Olhos espertos, músculos, muito diferente de Cledir. Érica adorava beber e dançar. Gostava de rir. E Cledir me esperando para o jantar. Criando meu filho dentro da barriga, cozinhando, uma coisa pura, sincera, certa. Érica era sacana e iria me trair. Iria me trair, eu sentia isso em cada palavra que saía de sua boca. (...) Cledir nunca iria me trair (...)

Voltava para Érica e voltava para Cledir. Fodia com Érica e fodia com Cledir. Com Érica era bom, com Cledir era bom.

(...)
Senti um amor tão grande por ela (Érica), eu te amo, eu disse, ama nada, amo sim, amo muito.Você quer o quê? (...) o que você quiser, eu faço, faço tudo, eu quero que você mate a Cledir, ela disse. Ela disse isso mesmo: eu quero que você mate a Cledir.
9. A sintonia com o pai
Esse momento é, em
 O matador, aquele em Máiquel, depois chamado divino, depois de ter se debatido com seus precários valores morais e se tornado um matador com o auxílio do dr.Carvalho, depois de ter desfrutado de algumas benesses daquele mundo encantado que a propaganda mostra e de ter encontrado o amor e suas provações, tem agora o reconhecimento pelos seus feitos sendo convidado, enfim, para assumir um lugar no "reino":
Senti uma paz calma dentro do meu peito, uma paz quente, sei lá o que me deu, não foi o uísque, foram as palavras do delegado que me trouxeram aquela paz, aquele orgulho, um delegado me propondo sociedade, eu era mesmo uma pessoa muito querida no bairro, eles passavam e buzinavam, acenavam as mãos, senti uma paz (...) Daríamos segurança para o bairro. (...) Santana, era esse o nome do delegado, Santana entraria com o escritório, as secretárias, o telefone, a placa da firma, o advogado e, claro, ele disse com o poder, as influências, a cobertura. Eu entraria comigo mesmo, com minha equipe, com que eu sabia fazer, ele disse.
10. A apoteose
Esse é momento da divinização, da expansão da consciência, é quando Máqiuel encontra o "troféu transmutador de vida":
E finalmente a hora da medalha. Houve uma época que eu acreditava que talão de cheques e mulheres eram a base da felicidade. Subi no palco. Dinheiro ajuda, mulher melhora tudo, mas é a fama que reinventa a vida de um homem, foi isso que eles me ensinaram naquela noite. Abraçaram-me. Fotografaram-me. Pediram para que eu falasse. Eu falei que estava pensando em me candidatar a vereador. Eles gostaram muito. A medalha, que coisa bonita é uma medalha.
11. A bênção última
Em
 O matador, nesse momento da narrativa, Máiquel prova ser um herói comum — depois de ter sido abandonado por Érica, portanto sem a benção de sua deusa — cometendo um erro fatal:
Por que, Érica, por que você não me levou junto? Pai pediatra. Como é que eu ia saber? Como é que eu ia saber que o garoto era um bom estudante? À noite correndo de skate, parecia um ladrão de Reebok. Como é que eu ia saber? Foi um engano. Admito que errei. Matei por engano. Agora, me diga, as pessoas vivem fazendo cagadas por aí. As pessoas erram, às vezes.
Máiquel também não encontra mais o apoio de seu "patrono universal", Dr. Carvalho:
Ele se levantou, fora daqui, ele disse, cachorro sarnento, lenço na boca para segurar aquele sangue todo, dr. Carvalho atrás de mim, mancando e me xingando de cachorro sarnento, cachorro filho da puta e outros nomes assim.
12. O retorno
Pegamos a estrada, eu no volante. Um vento frio. Enoque ligou o rádio. A polícia, o locutor dizia, ainda não encontrou o bandido Máiquel, acusado de mais - meti o pé com força no rádio, quebrei aquela joça. Parei o carro. Salta, eu disse para o Enoque, os caras não estão atrás de você. Empurrei ele para fora do carro e arranquei. Eu não queria saber de nada do que estava acontecendo, queria deixar tudo para trás, ir em frente até encontrar um buraco e me meter nele, no buraco, me esconder, no buraco, até o frio acabar, até chegar a hora de sair.
Assim termina a aventura de Máiquel no romance O matador,de Patrícia Melo. As vítimas de Máiquel são os bodes expiatórios, as vítimas sacrificais sobre os quais uma sociedade com um sistema judiciário e um poder político enfraquecido desvia uma violência que pode golpear seus próprios membros. E Máiquel é o herói que em todos os mitos atrai para sua pessoa, como um imã, uma violência que afeta toda a comunidade, uma violência maléfica e contagiosa, que será transformada em ordem e segurança pela sua morte ou triunfo.
Cada pessoa no bairro me trazia um naco de ódio para eu engolir. (...) começei a gostar de ouvir aquelas histórias podres, eu ouvia e era como se tivesse dando um naco de carne para o meu ódio, e mais outro naco, fui ficando viciado naquilo, o exercício funciona mesmo, eu odeio, ele odeia, odiamos.
Fonte parcial: Eliane Pereira da Silveira, Mestranda, Universidade Federal da Santa Maria |Rosana Cacciatore Silveira, Mestranda, Universidade Federal de Santa Cataria



Leia o trabalho  de análise : http://www.lai.su.se/gallery/bilagor/STCHLM_PAPERS_Johnen.pdf ( NÃO ESTÁ COLOCADO DO BLOG )

E   ABAIXO TEM OUTRO INTERESSANTE ESTUDO SOBRE A OBRA:



12
jul
homemdoano021
Tudo começou quando eu perdi uma aposta.
Sentei na cadeira, Arlete, a dona do salão, colocou uma capa de corte sobre a minha camisa, eu de olho nas propagandas, mulheres bonitas pregadas na parede. Um tom discreto, ninguém notaria. Arlete não entendeu nada quando falei que pintaria meu cabelo de castanho-aloirado. Ela riu, achou que era gozação. Era a aposta, o São Paulo tinha perdido de dois a zero para o Palmeiras.
Arlete passou uma pasta grudenta no meu cabelo e disse que era preciso ficar vinte minutos com aquilo. A touca de plástico piorou tudo. Senti-me ridículo, acho ridículo homens que fazem isso. Eu tinha levado uma navalha, a aposta incluía o bigode. Mirei o espelho, sem coragem. Fazia cinco anos que eu usava bigode, desde que tinha visto um filme na televisão com o Charles Bronson. Lembrei que minha vida sem bigode tinha sido uma merda, os anjos, Deus, os guardiões do bem, todos ali, no meu bigode. Arlete, ao ver minha indecisão, tomou a navalha de minhas mãos e começou a me barbear. Ela era bronzeada de sol, corpo bonito, pernas firmes. Roçava os peitos no meu braço, na minha cara, respirava em cima da minha boca, uma coisa diabólica. Lembrei do tempo em que a gente fodia no sofá da casa dela, depois que o pai paralítico ia dormir. Fiquei com vontade. Arlete recuou, com cara de boba, mas eu agarrei seu corpo, colei nossas bocas, beijamos. Forcei a cadeira, caímos trançados. Ajoelhei, ajoelhamos, levantei seu vestido amarelo e senti aquela coisa poderosa em volta de nós dois, Arlete, a égua, a marca do biquíni, a boceta molhada, eu, o cavaleiro, minha tropa de cavalos, meu tronco expelindo uma grande árvore líquida, de copa frondosa, cheia de flores. Tive a impressão de que tudo aconteceu em pouco tempo, cinco segundos, uma coisa realmente rápida, mas de repente Arlete abriu os olhos, começou a gesticular e gritar feito gralha, me agarrou pelo braço, enfiou minha cabeça no lavatório, enxaguou meu cabelo, xingando, gemendo, berrando como uma louca de hospício. Fomos para a bancada da penteadeira, Arlete exigindo que eu ficasse de costas para o espelho. Quando finalmente recebi permissão para ver o resultado, fiquei surpreso: meu cabelo estava completamente loiro. Loiro mesmo, que nem esses cantores de rock da Inglaterra.
Sempre me achei um homem feio. Há muitas curvas em meu rosto, muita carne também, nunca gostei. Meus olhos de sapo, meu nariz arredondado, sempre evitei espelhos. Naquele dia foi diferente. Fiquei admirando a imagem daquele ser humano que não era eu, um loiro, um desconhecido, um estranho. Não era só o cabelo que tinha ficado mais claro. A pele, os olhos, tudo tinha uma luz, uma moldura de luz. De repente, todos os meus traços tornaram-se harmônicos, a boca, que sempre fora caída, continuava caída, o nariz continuava redondo, as pálpebras inchadas, porém tudo isso era bobagem porque havia algo maior, mais importante, a moldura. Havia luz na minha face, e não era uma luz artificial de refletores. Era aquela luz que a gente vê em imagens religiosas, luz de quem é iluminado por Deus. Foi assim que me senti, próximo de Deus.
Arlete estava angustiada com o meu silêncio, eu não tirava os olhos do espelho.
Ficou bom, eu disse. Eu gostei.
Gostou dessa merda?
Não estava uma merda.
Está uma merda, sim. Você está horroroso. Você não vai sair daqui desse jeito.
Eu não estava mentindo e era óbvio que ia sair dali daquele jeito. Aquela tinta tingiu alguma coisa muito profunda dentro de mim. Tingiu a minha autoconfiança, o meu amor-próprio. Foi a primeira vez, em vinte e dois anos, que olhei no espelho e não tive vontade de quebrá-lo com um murro. Beijei Arlete e saí feliz, pensando que não passei a maior parte da minha vida querendo ser outro cara.
…Às dez horas da noite, Cledir, usando um vestido branco, com babado no quadril, saiu do Mappin e entrou no meu carro azul-metálico.
Eu queria levá-la para um motel e foder a noite inteira, mas tinha combinado de passar no bar Gonzaga, mostrar o pagamento da aposta para meu primo Robinson. Na verdade, eu poderia fazer isso outra hora, outro dia, a verdade é que eu queria mesmo passar lá, estava me sentindo bonito com aquele cabelo, minha camisa social, minha calça jeans, e aquele carro que não era meu mas que fazia parte do pacote. Além disso, eu estava acompanhado de Cledir, uma morena sensacional que, eu havia decidido, ia ser minha namorada. Talvez eu até me casasse com ela. Falei: Cledir, tenho que dar uma passadinha no Gonzaga e depois eu vou te levar para uma noite inesquecível. Robinson talvez me emprestasse algum para pagar o churrasco e o motel.
Estacionei, desci, abri a porta para a morena espetacular e entrei. Entrei com a minha namorada no Gonzaga. Marcão, Galego, Suel, todos bebendo cerveja, menos Robinson, que ainda não tinha chegado. Todo mundo parou de falar. Ficaram nos olhando, todos, eu, loiro, de camisa social, com aquela morena sensacional, ninguém parava de olhar.
E aí? Perguntei.
Ninguém respondeu. Todos de boca aberta, inclusive o Gonzaga, o dono do bar. Três garotos jogando bilhar. Pararam e ficaram nos olhando.
Essa é Cledir, minha namorada.
Nada, ninguém disse nada.
Puxei uma cadeira para Cledir, ela já estava ficando encabulada. Foi então que Suel começou a rir. Olhava para mim e ria. Nunca fui amigo de Suel, vez ou outra ele me pedia uma cerveja, eu pagava e ponto final. Todo mundo no bairro sabia da fama dele, eu nunca quis saber de nada, ele que se fodesse, essa sempre foi a minha filosofia de vida.
O que foi? Quem é o palhaço? , perguntei.
Poxa, você ficou loiro mesmo, ele disse. Ficou engraçado.
Você está achando graça, Suel?
É engraçado, porra. Parece um gringo.
Vai ver que você pensa que eu sou veado.
Porra, você chega aqui parecendo um gringo, achei engraçado, porra. Qual o problema, porra?
O problema é que você me chamou de veado.
Ele riu, chamei nada.
Tem um tipo de risada que me deixa louco. Dei o troco.
Amanhã, às seis horas, em frente ao bar do Tonho. Vamos fazer duelo.
Suel ficou branco.
Que papo besta é esse?
Puxei Cledir pelo braço, fui saindo.
Você entendeu muito bem, eu disse.
Levei Cledir para casa, passe na loja para devolver o carro, e fui dormir. Perdi a vontade de foder naquela noite.
No dia seguinte, acordei com dor de dente e não fui trabalhar. Estava arrependido de ter proposto o duelo, aquilo tinha sido uma bobagem, uma estupidez sem fim. Quis dar uma de bacana para impressionar Cledir e me ferrei todo. Suel era um negro de foder. Diziam no bairro que a profissão dele era roubar toca-fitas. Ele poderia ter amigos da pesada, certamente sabia manejar uma arma. Senti medo. Eu nunca tinha pego uma arma. Suel venceria, eu tinha que pedir desculpas para ele. Não me incomodo de pedir desculpas, vivo fazendo cagadas e pedindo desculpas. Outra possibilidade era não aparecer no Tonhão. Conseqüência: Suel poderia ficar puto e me pegaria na rua, desprevenido. Era melhor tentar uma negociação. Tomei meio frasco de Novalgina e saí para procurá-lo. A mãe, os amigos, o irmão, ninguém sabia dele, deixei recado em todos os lugares. Às cinco horas da tarde, meu dente piscava de dor e eu não tinha encontrado o negro. Passei na casa do meu tio, arranjei uma espingarda calibre 28, coloquei dentro de uma caixa vazia de lâmpadas fluorescentes que tinha lá, coube direitinho, e fui para o Tonhão. O plano era o seguinte: eu tentaria uma conversa, faria a cena do bebi demais e deixa disso, mas, caso precisasse, a arma estaria ali, perto de mim. A gente nunca sabe o que vai acontecer.
No ônibus, a caminho do bar do Tonhão, quase vomitei na nuca do passageiro no banco da frente. Maldita Novalgina. Fiquei pensando se não tinha um jeito de resolver o assunto sem ir até lá. Não tinha. Desci do ônibus, o dente me aporrinhando, andei duas quadras até chegar no bar do Tonhão. De cara, as coisas começaram a dar errado. Cledir estava sentada no balcão e, ao me ver, correu na minha direção, com voz de choro, veio implorar para que eu desistisse daquela bobagem. E eu que tinha pensado em nunca mais ver a Cledir. Uma boa oportunidade, pensei. Cledir soluçava, implorava, não faça isso, não estrague a sua vida. Tudo bem, Cledir, não precisa chorar, você tem razão. Apartamento com dois dormitórios, sem entrada, aproveite. Não vou duelar. Móveis para cozinha. Vou me casar com você. Tudo para o seu lar. Vou trabalhar direito naquela loja de carros usados, vou melhorar minha vida. Mude para o melhor. Coisas boas passaram pela minha cabeça, mas eu não disse nada disso para Cledir. Eu disse: nem fodendo. Realmente não dá para entender como é que um sujeito faz uma bobagem dessas. Só há uma explicação: Destino. Antes da gente nascer, alguém, sei lá quem, talvez Deus, Deus define direitinho como é que vai foder a sua vida. É isso. Era a minha teoria. Deus ó pensa no homem quando tem que decidir como é que vai destruí-lo. Quando ele não tem tempo, faz uma guerra, um furacão e mata um monte, sem ter que pensar em nada. Em mim, ele pensou.
Aquele cara vai aprender a não andar por aí chamando os outros de veado, eu disse.
Ele não te chamou de veado, chamou de gringo.
É a mesma coisa. Veado e gringo são a mesma coisa.
Também não sei de onde eu tirei isso. Fui para a praça, carregando minha espingarda dentro da caixa. Suel chegou logo depois. Estava desarmado, de mãos dadas com a namorada. Isso me encheu de coragem. Peguei a espingarda. Ajoelhei na posição de tiro. Pega tua arma, Suel. Ele falou que eu devia estar brincando, somos amigos, ele disse. Não éramos amigos porra nenhuma, mas eu poderia perfeitamente pegar essa deixa e encerrar o assunto.
Pega tua arma, insisti.
Ele ria, não sabia se acreditava ou não. Suel queria mesmo desistir e isso me encheu de coragem. Olhei as pessoas na porta do bar do Tonhão, todos me observando, isso me encheu de coragem, mirei.
Se você quiser me matar, Máiquel, vai ter que ser pelas costas, ele disse.
Suel ficou de costas para mim e saiu gingando, de mãos dadas com a namorada.
Pode atirar, ele gritava, me mate pelas costas.
Dei o primeiro tiro, Suel voou no chão, deve ter morrido na hora. A namorada berrava e tentava arrastar o negro para o carro. Dei outro tiro sem mirar e acertei na cabeça de Suel. Foi assim, as coisas aconteceram desse jeito. Ele foi a primeira pessoa que matei. Até isso acontecer, eu era apenas um garoto que vendia carros usados e torcia para o São Paulo Futebol Clube.


Parte superior do formulário

domingo, 9 de outubro de 2011

O TEMPO E O VENTO - Érico Veríssimo


É bem verdade que a adaptação televisiva jamais substituirá a leitura do livro, mas , infelizmente, por causa do pouco tempo em aula, não conseguiremos atingir o objetivo da leitura. Por isso, depois de fazer uma pesquisa , através do Youtube, destaquei, abaixo, os vídeos que mais se aproximam ao propósito de fazer com que vocês entendam a história.
Cobrarei esta "leitura" na segunda semana de novembro, em aula.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

ATENÇÃO ALUNOS

VOCÊ PODERÁ POSTAR AS RESPOSTAS- REFERENTES AO LIVRO "LAÇOS DE FAMÍLIA" - DE TODAS AS QUESTÕES ATÉ 31 DE OUTUBRO.

domingo, 2 de outubro de 2011

ATENÇÃO ALUNOS

Se, porventura, nós não tivermos aula, na segunda-feira, turmas 36 e 38 por causa dos conselhos, usar o "tempo livre" para colar os poemas.
Obrigada,
Profª Lilian