sábado, 20 de agosto de 2011

Nosso próximo estudo - Vinícius de Moraes

Queridos(as) Alunos (as)
Vá aproveitando os seus momentos de estudo para ouvir as N0VE partes deste documentário. Vocês irão se encantar com o contexto histórico e a vida de Vinícius de Moraes ( Poeta dos anos 30, como Carlos Drummond de Andrade, mas com um enfoque completamente diferenciado do segundo poeta.)
Não colocarei nenhuma teoria pronta. Vocês, ao irem assistindo os vídeos, deverão montar o contexto histórico( depoimentos de pessoas neste vídeo) e as características da poesia de Vínicius de Moraes ( que estejam contempladas neste vídeo.)  ( 20 pontos - entrega :  dia 26 e 27 de SETEMBRO ). Este estudo poderá ser em dupla, porém jamais igual a outras duplas - ENTENDA QUEM TEM JUÍZO.)





















Tenho certeza que será um trabalho prazeroso!
Só não deixe que esse prazer se perca por ter que ver os vídeos tão rapidamente, uma vez que  AMANHÃ já será dia 26 ou 27 e você terá que "pular" alguns trechos para dar conta do trabalho.




sexta-feira, 22 de julho de 2011

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Estudo sobre " A Rosa do Povo" de Carlos Drummond de Andrade, tirado da internet: www.passeiweb.com

Oi, pessoal!
Pesquisei no site http://www.passeimeb.com/ sobre o próximo autor que iremos estudar. Leia, pois faremos estudos em aula. Prepare-se! No carderno, faça uma síntese do que está sendo colocado, sobre o tema.
Procure os poemas que foram citados ao final do artigo e imprima ou escreva-os em seu caderno.

Análises completas

A Rosa do Povo, de Carlos Drummond de Andrade

Análise da obra

Escrito entre 1943 e 1945 e publicado neste mesmo ano, A Rosa do Povo é aclamado por inúmeros setores da crítica literária como a melhor obra de Carlos Drummond de Andrade, o maior poeta da Literatura Brasileira e um dos três mais importantes de toda a Língua Portuguesa. Antes que se comece a visão sobre esse livro, necessária se faz, no entanto, uma recapitulação das características marcantes do estilo do grande escritor mineiro.

Poesia da fase "eu menor que o mundo", toma como tema a política, a guerra e o sofrimento  do homem. Desabrocha o "sentimento do mundo", traduzido pela solidão e na impotência do homem, diante de um mundo frio e mecânico, que o reduz a um objeto.

A obra é a mais extensa de todas as obras de Carlos Drummond de Andrade, composta por 55 poemas. Os versos, geralmente curtos das obras inaugurais, tornam-se mais longos. Há um predomínio do verso livre (métrica irregular) e do verso branco (sem rimas). Embora em seu próprio título haja uma simbologia revolucionária, sem contar o número expressivo de poemas socialmente engajados, A rosa do povo apresenta grande variedade temática e técnica.

Quase todos os poemas têm uma dimensão metafórica, apesar da linguagem aparentemente clara. Com freqüência, também nos surpreendemos com inesperadas associações de palavras, elipses, imagens surrealistas. Trata-se de poemas refinados, complexos e acessíveis somente a leitores com significativa informação poética. Paradoxalmente a obra em que Carlos Drummnod de Andrade mais se aproxima de uma ideologia popular é, na verdade, dirigida apenas a uma aristocracia intelectual.

A rosa do povo representa, na poesia de Drummond, uma tensão entre a participação política e adesão às utopias esquerdistas, de um lado, e a visão cética e desencantada, de outro lado. Não devemos entender esta duplicidade (esperança versus pessimismo) como contraditória. Toda a obra do autor (incluindo-se aí a amplitude de assuntos da mesma) é marcada por uma visão caleidoscópica, polissêmica.

A realidade, para ele, tem várias faces. Faces descontínuas, irregulares, opositivas. Tentar captar a essência humana é registrar ambivalências, ângulos variados. Nunca há em Drummond uma palavra definitiva, uma visão final. O fluxo desordenado da vida não permite uma única certeza, uma única convicção.

O poeta vale-se tanto do “estilo sublime” (padrão elevado da língua culta) quanto do “estilo mesclado” (linguagem elevada e linguagem coloquial).

Para a compreensão dessa obra, bastante útil é lembrar a data de sua publicação: 1945. Trata-se de uma época marcada por crises fenomenais, como a Segunda Guerra Mundial e, mais especificamente ao Brasil, a Ditadura Vargas. Drummond mostra-se uma antena poderosíssima que capta o sentimento, as dores, a agonia de seu tempo.  Basta ler o emblemático A Flor e a Náusea, uma das jóias mais preciosas da presente obra.

Preso à minha classe e a algumas roupas,

vou de branco pela rua cinzenta.

Melancolias, mercadorias espreitam-me.

Devo seguir até o enjôo?

Posso, sem armas, revoltar-me?

Olhos sujos no relógio da torre:

Não, o tempo não chegou de completa justiça.

O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.

O tempo pobre, o poeta pobre

fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.

Sob a pele das palavras há cifras e códigos.

O sol consola os doentes e não os renova.

As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.

Uma flor nasceu na rua!

Vomitar esse tédio sobre a cidade.

Quarenta anos e nenhum problema

resolvido, sequer colocado.

Nenhuma carta escrita nem recebida.

Todos os homens voltam para casa.

Estão menos livres mas levam jornais

E soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?

Tomei parte em muitos, outros escondi.

Alguns achei belos, foram publicados.

Crimes suaves, que ajudam a viver.

Ração diária de erro, distribuída em casa.

Os ferozes padeiros do mal.

Os ferozes leiteiros do mal.

Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.

Ao menino de 1918 chamavam anarquista.

Porém meu ódio é o melhor de mim.

Com ele me salvo

e dou a poucos uma esperança mínima.

Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.

Uma flor ainda desbotada

ilude a polícia, rompe o asfalto.

Façam completo silêncio, paralisem os negócios,

garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.

Suas pétalas não se abrem.

Seu nome não está nos livros.

É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde

e lentamente passo a mão nessa forma insegura.

Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.

Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.

É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

Nota-se no poema um eu-lírico mergulhado num mundo sufocante, em que tudo é igualado a mercadoria, tudo é tratado como matéria de consumo. Em meio a essa angústia, a existência corre o risco de se mostrar inútil, insignificante, o que justificaria a náusea, o mal-estar. Tudo se torna baixo, vil, marcado por “fezes, maus poemas, alucinações”.

No entanto, em meio a essa clausura sócio-existencial (que pode ser representada pela imagem, na terceira estrofe, do muro), o poeta vislumbra uma saída. Não se trata de idealismo ou mesmo de alienação – o poeta já deu sinais claros no texto de que não é capaz disso. Ou seja, não está imaginando, fantasiando uma mudança – ela de fato está para ocorrer, tanto que já é vislumbrada na última estrofe, com o anúncio de nuvens avolumando-se e das galinhas em pânico. É o nascimento da rosa, símbolo do desabrochar de um mundo novo, o que mantém o poeta vivo em meio a tanto desencanto.

Dois pontos ainda merecem ser observados no presente poema. O primeiro é o fato de que ele, além de ser o resumo das grandes temáticas da obra, acaba por explicar o seu título. Basta notar que, conforme dito no parágrafo anterior, a rosa indica o desabrochar de uma nova realidade, tão esperada pelo poeta. E a expressão “do povo” pode estar ligada a uma tendência esquerdista, socialista, muito presente em vários momentos do livro e anunciadas pela crítica ao universo capitalista na primeira (“Melancolias, mercadorias espreitam-me.”) e terceira estrofes (“Sob a pele das palavras há cifras e códigos.”). O novo mundo, portanto, teria características socialistas.

O outro item é visto pelo estreito relacionamento que A Flor e a Náusea estabelece com o poema a seguir, Áporo, um dos mais estudados, densos, complexos e enigmáticos da Literatura Brasileira.

Um inseto cava

cava sem alarme


perfurando a terra

sem achar escape.

Que fazer, exausto,

em país bloqueado,

enlace de noite

raiz e minério?

Eis que o labirinto

(oh razão, mistério)

presto se desata:

em verde, sozinha,

antieuclidiana,

uma orquídea forma-se.

Note que a narrativa parece ser tirada de A Flor e a Náusea: um inseto, o áporo, cava a terra sem achar saída. Assemelha-se ao eu-lírico do outro poema, que se via diante de um muro e da inutilidade do discurso. No entanto, Drummond continua discursando, vivendo, assim como o inseto continua cavando. Então, do impossível surge a transformação: do asfalto surge a flor, da terra-labirinto-beco surge a orquídea.

Há algo aqui que faz lembrar o poema Elefante, também no mesmo volume. Da mesma forma como Drummond fabrica seu brinquedo, mandando-o para o mundo, de onde retorna destruído (mas no dia seguinte o esforço se repete), o eu-lírico de A Flor e a Náusea sobrevive em seu cotidiano nulo e nauseante e o áporo perfura a terra. É a temática do “no entanto, continuamos e devemos continuar vivendo”, tão comum em vários momentos de A Rosa do Povo.

Áporo, portanto, é um poema tão rico que pode ter outras leituras, além dessa de teor existencial. Há também, por exemplo, a interpretação política, que enxerga uma referência a Luís Carlos Prestes (“presto se desata”), que acabara de ser libertado pelo regime ditatorial. A figura histórica pode ser vista, portanto, como um áporo buscando caminho na pátria sem saída que se tornou o Brasil na Era Vargas.

Ainda assim, existe quem veja no texto um mero – e inigualável – exercício lúdico, em que as palavras são contempladas, manipuladas, transformadas. Basta lembrar, por exemplo, que “áporo”, além de ser a designação do inseto cavador, é também um termo usado em filosofia e matemática para uma situação, um problema sem solução, sem saída. Além disso, a essência etimológica da palavra inseto é justamente as letras “s” e “e”, diluídas no corpo do texto. Observe como tal pode ser esquematizado:

Um inSEto cava

cava SEm alarme

perfurando a terra

SEm achar EScape.

Que faZEr, ExauSto,

Em paíS bloqueado,

enlaCE de noite

raiZ E minério?

EiS que o labirinto

(oh razão, miStÉrio)

prESto SE dESata:

em verdE, Sozinha,

antieuclidiana,

uma orquídea forma-SE.

Note que a essência do áporo, do inseto, vai se movimentando em todo o poema, transformando-se, até o ápice do último verso da terceira estrofe. É o momento da transformação e da iniciação, já anunciadas na segunda estrofe na aliteração do /s/ e do /t/ e da assonância do /e/ que acabam criando a forma verbal “encete” (ENlaCE de noiTE), que significa principiar, mas que possui também uma forte aproximação sonora com “inseto”. A mutação final virá no último verso: o áporo inseto se transforma em áporo orquídea (“áporo” é também o nome de um determinado tipo de orquídea), a flor que se desabrocha para a libertação. Tanto que a raiz SE está prestes a se libertar, pois virou a forma pronominal “se” (e, portanto, com relativa vida própria) que encerra o poema.

Tal trabalho com a linguagem é a base de todo texto poético, como é defendido pelo próprio Drummond em Procura da Poesia, transcrito abaixo:

Não faça versos sobre acontecimentos.

Não há criação nem morte perante a poesia.

Diante dela, a vida é um sol estático,

não aquece nem ilumina.

As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.

Não faças poesia com o corpo,

esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.

Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro

são indiferentes.

Nem me reveles teus sentimentos,

que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.

O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.

O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.

Não é a música ouvida de passagem; rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.
O canto não é a natureza


nem os homens em sociedade.

Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.

A poesia (não tires poesia das coisas)

elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques,

não indagues. Não percas tempo em mentir.

Não te aborreças.

Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,

vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família

desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

Não recomponhas

tua sepultada e merencória infância.

Não osciles entre o espelho e a

memória em dissipação.

Que se dissipou, não era poesia.

Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.

Lá estão os poemas que esperam ser escritos.

Estão paralisados, mas não há desespero,

há calma e frescura na superfície intata.

Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.

Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.

Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.

Espera que cada um se realize e consume

com seu poder de palavra

e seu poder de silêncio.

Não forces o poema a desprender-se do limbo.

Não colhas no chão o poema que se perdeu.

Não adules o poema. Aceita-o

Como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada

no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.

Cada uma

tem mil faces secretas sob a face neutra

e te pergunta, sem interesse pela resposta,

pobre ou terrível, que lhe deres:

Trouxeste a chave?

Repara:

ermas de melodia e conceito

elas se refugiaram na noite, as palavras.

Ainda úmidas e impregnadas de sono,

rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

Esse antológico poema é dividido em duas partes. Na primeira apresentam-se proibições sobre o que não deve ser a preocupação de quem estiver pretendendo fazer poesia. Sua matéria-prima, de acordo com o raciocínio exibido, não são as emoções, a memória, o meio social, o corpo. Na segunda parte explica-se qual é a essência da poesia: o trabalho com a linguagem. O poema pode até apresentar temática social, existencial, laudatória, emotiva, mas tem de, acima de tudo, dar atenção à elaboração do texto, ou seja, saber lidar com a função poética da linguagem.

I - Poesia social

Pelo menos duas dezenas dos cinqüenta e cinco poemas de A rosa do povo podem ser enquadrados nesta tendência na qual a angústia subjetiva do poeta transforma-se em engajamento e compromisso com a humanidade.

De certa forma, é possível distinguir neles uma espécie de seqüência lógica que revela as mudanças de percepção do poeta face ao fenômeno social. Este processo temática não é unívoco, sendo composto por mais ou menos quatro movimentos muito próximos e que, na sua totalidade, formam a mais elevada manifestação de poesia comprometida na história da literatura brasileira. Vamos encontrar então:

- a culpa e a responsabilidade moral - a repulsa ao egocentrismo e a abertura em direção à solidariedade estão representadas por dois poemas totalmente simbólicos e despidos de referências à historicidade e ao cotidiano: Carrego comigo e Movimento da espada.

- o registro puro e simples de uma ordem política injusta - ainda que toda a sua poesia social submeta a ordem vigente a um inquérito implacável, há sempre nestes poemas a indicação do novo, ou pelo menos das lutas que indivíduos, classes e povos travam para impugnar a injustiça do planeta. A exemplo de O medo, entretanto, a esperança ou o enfrentamento não se delineiam e o resultado é um dos textos mais opressivos de toda a obra de Drummond.

Os versos irregulares, (embora um bom número deles tenha sete sílabas) não impedem a criação uma cadência grave e soturna, nascida da repetição exaustiva da palavra medo. No desenrolar das quinze estrofes do poema, essa palavra e aquilo que ela traduz no contexto da época (ditadura, prisão, tortura, guerra, massacres, etc.) vão tecendo uma rede de tentáculos sobre os seres, impedindo-os de pensar, protestar e agir.

Além da impugnação desta era de medo, Drummond deixa transparecer no poema a sensação de culpa e de responsabilidade – que o acomete com freqüência.

- a passagem da náusea à perspectiva de uma nova sociedade (em termos concretos e em termos abstratos) - Neste bloco, encontramos um significativo número de poemas. Eles refletem a transição de um clima acabrunhante – no qual um indivíduo em crise e um sistema desolador se identificam – para uma atmosfera radiosa de esperança e afirmativa do novo.

Dentro desta ótica são escritos dois dos mais importantes poemas de A rosa do povo: A flor e a náusea e Nosso tempo. São também os mais concretos pois aludem diretamente ou indiretamente à realidade objetiva. Neles, o sentimento de culpa é substituído pela noção de náusea: a náusea existencialista, à maneira de Sartre, que, mais do que uma sensação física de enjôo, é uma situação de absoluta liberdade de quem a vivencia. Liberdade no sentido da destruição de todos os valores tradicionais, da morte de todos os deuses e crenças. A náusea decorre desta liberdade aterradora, próxima do absurdo. O homem, despojado de suas antigas certezas, vaga num universo de destroços, porém, ao mesmo tempo que o tédio e o desespero o ameaçam, este mesmo homem pode, na grande solidão em que se converteu sua vida, encontrar uma alternativa válida de existência individual e coletiva.

- a celebração da nova ordem - O despojamento do egoísmo burguês e a superação da situação de náusea induziram Drummond a vários compromissos: primeiro, o moral; segundo, o humanista; terceiro, o ideológico. Imerso numa era onde a barbárie ameaçava a civilização, o poeta entende que a mera solidariedade ou apenas a argüição áspera da sociedade injusta não bastariam. Seria necessário que o indivíduo sujeitasse seu egocentrismo a um sistema de idéias em que a organização e os interesses coletivos prevalecessem.

O marxismo – na sua formulação soviética – surge, então, como a possibilidade redentora do homem. O heroísmo da URSS, na II Guerra, é o combustível desta expansão ideológica. Há, em todo o Ocidente, uma expressiva fraternidade em relação ao povo russo e ao seu regime. Como centena de intelectuais, Drummond não escapa da sedução comunista. Alguns poemas vão traduzir esta adesão. Com raras exceções, eles constituem a parte mais perecível de A rosa do povo.

II - Poesia de reflexão existencial

Entre os múltiplos temas do autor, o único presente em todas as suas obras, de Alguma poesia a Farewel, com maior ou menor insistência, é o do questionamento do sentido da vida. Mesmo num livro em que o engajamento social e político exerce forte hegemonia, como é o caso de A rosa do povo, sobressaem-se inúmeros poemas de interrogação existencial, alguns situados entre os momentos culminantes do lirismo de Drummond. Principais motivos:

Solidão, angústia e incomunicabilidade - Mais centrada na esfera da subjetividade do poeta, esta tendência desvela a impotência do eu-lírico para estabelecer vias comunicantes com os demais seres humanos. Trata-se de uma solidão terrível, pois ela ocorre na grande cidade, cidade antropofágica e impassível, onde o indivíduo caminha desorientado em meio a uma multidão indiferente e sem rosto.

O fluir do tempo - Um dos temas nucleares da obra drummondiana, a percepção da passagem do tempo se estabelece através de interrogações diretas sobre o sentido deste fluxo que degrada os corpos, a beleza, as coisas e também as ilusões, os amores e as crenças dos indivíduos. Affonso Romano de Sant’Anna, em ótima análise estilística, mostra a predominância em A rosa do povo de vocábulos que indicam mudança e viagem. A vida “flui e reflui, corre, passa, escorre, espalha-se, desliza, dissipa-se”, num desfile ininterrupto e cujo destino final é a morte.

A morte - A consciência da progressiva destruição operada pelo tempo – núcleo principal de todo o amplo espectro temático de CDA – condensa-se na convicção de que o ser é sempre o ser-para-a-morte.

A “viagem mortal” do indivíduo percorre não apenas toda a poesia de indagação filosófica, mas igualmente a lírica que expressa o passado, o cotidiano, o compromisso ético e político e até a que fala do amor. A tragédia da condição humana é a da certeza da finitude. Desta expectativa da própria destruição, Drummond elabora poemas de desconcertante lucidez.

III - A poesia sobre a poesia

A reflexão metapoética (ou metalinguagem) constitui uma das vertentes dominantes da obra de Drummond. A própria poesia é tematizada, na forma característica do poema sobre o poema, e discute-se o ofício de escrever, a construção do texto, o âmago da linguagem lírica, etc.

A poética - Consideração do poema e Procura da poesia abrem A rosa do povo. Isso já revela a importância que Drummond confere ao problema do fazer literário, porque em ambos estabelece-se a tentativa de fixação de uma poética, isto é, de um processo de enumeração – direto ou metafórico – dos princípios técnicos e semânticos e dos valores filosóficos que regem a escrita do autor.

Uma poética controversa - Os críticos se dividiram a respeito do significado dos dois principais poemas de metalinguagem de Drummond. Alguns interpretaram os textos como contraditórios porque afirmariam realidades antagônicas: um, o domínio do compromisso social; outro, o império da linguagem. Representariam, portanto, a condensação das tendências opositivas de A rosa do povo, obra dilacerada entre a esperança no futuro socialista e a amargura filosófica.

Já outros críticos especulam que Consideração do poema corresponde ao projeto ideológico do autor, enquanto Procura da poesia traduz o seu projeto estético, não havendo diferenças estruturais entre ambos, e sim uma variação de enfoque determinada pela especificidade de cada projeto.

No entanto, para José Guilherme Merquior – o mais importante entre os estudiosos da obra drummondiana – os dois poemas formam um conjunto coerente, porque estão alicerçados sobre uma concepção dialética do gênero lírico, o qual se comporia de duas camadas interligadas:

a) A natureza preponderantemente verbal da poesia. Ou seja, poesia, em primeiro lugar, é seleção e ordenação de palavras;
b) As palavras – captadas em seu mistério e em algumas de suas “mil faces” – não são vazias de conteúdo. Ora, se o discurso poético não é um zero semântico, suas referências obrigatoriamente designam elementos do real.

Em suma, a pesquisa e a invenção de linguagem constituem o cerne da poesia, mas as palavras trazem consigo uma constelação de significados que o poeta escolhe. Não se trata – como já frisamos – de privilegiar a mensagem, exprimindo-a diretamente. Isso não é poesia. Apenas através da penetração no “reino das palavras”, o autor lírico poderá dar um sentido a seu canto. Ou seja, aquilo que o poeta diz é também a forma como ele o diz.

IV - Poesia sobre o passado

A idéia do passado e de suas infinitas recordações afeta profundamente a criação poética de Drummond, tanto que alguns de seus mais celebrados poemas giram em torno deste baú de lembranças que, aberto, deixa entrever uma formidável multiplicidade de experiências pessoais, familiares e históricas.Em resumo, o passado é apresentado da seguinte maneira na poesia de Drummond:

1- O registro realista (mais sugerido do que descrito) do quadro familiar e sócio-cultural do interior rural mineiro de fins do século XIX e início do século XX;

2- A evocação de um mundo estritamente pessoal, formado por fatos, palavras e sentimentos que tiveram eco ou atingiram a subjetividade do menino e/ou do jovem Drummond;

3- A projeção do passado (pessoal, familiar, social) no presente, fazendo com que toda a indagação daquilo que ficou para trás seja também uma indagação da identidade atual do poeta e dos outros remanescentes do universo rural / provinciano, recuperados por uma memória que os interpela incessantemente.

V - Poesia sobre o amor

Drummond talvez seja a voz lírica/amorosa mais rica e complexa da literatura brasileira. Há em sua poesia uma inesgotável variedade de visões e abordagens do fenômeno afetivo, tanto nos aspectos espirituais quanto nos eróticos.

No entanto, em A rosa do povo a questão amorosa ocupa espaço mínimo, registrando-se apenas um poema de assunto estritamente sentimental: O mito. Verdade que não seria equivocado enquadrar O caso do vestido nesta vertente, mas por razões que veremos adiante, preferimos inseri-lo na categoria dos poemas sobre o cotidiano.

VI - Poesia do cotidiano

Embora vários textos da poesia social de Drummond retratem a vida diária com grande vigor, a inclinação participante do poeta dão a estes versos uma dimensão explicitamente engajada. Algo que não encontramos nos poemas específicos sobre o cotidiano. Neles, Drummond fixa cenas ou narra histórias – sem a intervenção do eu – quase como um repórter de linguagem apurada. Com muita propriedade, Merquior define estes poemas como “dramas do cotidiano”. Em regra geral, são os de leitura mais acessível, o que não lhes retira a beleza e a complexidade. Todavia, em A rosa do povo só nos deparamos com dois desses poemas.

VII - Celebração dos amigos

Em vários de seus livros, Drummond faz a louvação de personalidades que, de alguma maneira, marcaram-lhe a existência, seja pela amizade, seja pela grandeza artística/humana das obras que produziram. Em A rosa do povo, duas longas odes expressam a referida tendência. Mário de Andrade e Charlie Chaplin são os homenageados em textos arrebatadores, enfáticos e, no caso específico do segundo, até mesmo um pouco palavroso.

Nota

A riqueza de A Rosa do Povo não se restringe, porém, às temáticas abordadas. Há uma profusão de outros assuntos, como a abordagem da cidade natal (Nova Canção do Exílio, em que há uma reinterpretação do Canção do Exílio, de Gonçalves Dias), a observação do problemático cotidiano social (Morte do Leiteiro, em que o protagonista, que dá nome ao poema, acaba sendo assassinado em pleno exercício de sua função por ser confundido com um ladrão, o que possibilita uma crítica às relações sociais esgarçadas pelo medo), a rememoração dos parentes (Retrato de Família, em que o eu-lírico percebe a viagem através da carne e do tempo de uma constante eterna ligada à idéia de família) e o amor como experiência difícil, o famoso amar amaro (Caso de Vestido, em que o eu-lírico, uma mulher, narra o sofrimento por que passou quando da perda do seu marido e quando também da recuperação dele).

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Análise literária do conto ''A terceira margem do rio'', do livro ''Primeiras Estórias" de Guimarães Rosa

Nome: Aline Branco

Série: 3° 37

Cenário e substrato social

Os contos de Guimarães Rosa desenrolam-se em regiões não especificadas, porém identificáveis, uma vez que fazem parte da infância e juventude do autor. Possivelmente, o cenário de “A terceira margem do rio” pode ser derivado de um lugar pela qual o autor tenha tido contato durante a sua vida.

O cenário do conto é rural, podendo ser uma cidade pequena ou um arraial. Apresenta poucos detalhes, mas que são de extrema importância e se envolvem com o conto. A casa da família fica próxima a um rio e mato. O rio tem grande importância na história, pois é em torno dele que todos os acontecimentos se desenrolam. Ele é descrito no conto como amplo, vasto, porém fundo e calado. Esse lugar denso, pesado e estranho, onde o pai do menino optou por ficar em uma canoa, parado e sem rumo, pode ser relacionado diretamente com a personalidade desse homem. Seu filho menciona-o como uma pessoa quieta e solitária, assim como o rio. O rio é o “espelho” da personalidade do homem.

Ex.: “(...) Do que eu mesmo me alembro, ele não figurava mais estúrdio nem mais triste do que os outros, conhecidos nossos. (...)”

“(...) Nossa casa, no tempo, ainda era mais próxima do rio, obra de nem um quarto de léguas: o rio por aí se estendendo grande, fundo, calado que sempre. (...)”

No conto, quando o filho absorve a demência do pai, por se envolver demais a ele, imagina-o enfrentando os desafios que a natureza pode proporcionar ao homem. Também relata e calcula as dificuldades que ele irá enfrentar sobre a canoa, principalmente por estar ficando mais velho com o passar dos anos. Assim, aparecem no conto, cenários que descrevem ambientes que mostram os “perigos” da natureza, como as correntezas fortes e rápidas do rio, o sol escaldante e as friagens rigorosas do inverno. Perigos então, enfrentados pelo homem sobre a canoa.

Ex.: “(...) E a constante força dos braços, para ter tento na canoa, resistido, mesmo na demasia das enchentes, no subimento, aí quando no lanço da correnteza enorme do rio tudo rola o perigoso, aqueles corpos de bichos mortos e paus-de-árvores descendo – de espanto de esbarro. (...)”

“(...) De tão idoso, não ia, mais dia menos dia, fraquejar do vigor, deixar que a canoa emborcasse, ou que bubuiasse sem pulso, na levada do rio, para se despenhar horas abaixo, em tororoma e tombo da cachoeira, brava, com o ferimento e morte. (...)”

Dentro da história, o autor da atitude inédita, era descrito como uma pessoa muito calada, solitária. Esse isolamento era notado dentro da família, onde o papel de chefe do lar foi designado à mãe. Somente esta regia com os cuidados da casa e dos filhos, o pai sempre se distanciava de todos. Mas, esse jeito quieto de ser, acompanha-o desde criança, segundo pessoas mais próximas. O isolamento das personagens é característica da maioria dos contos de Guimarães Rosa. A opção de ser uma pessoa separada do convívio com outras, no conto, pode ser explicado por ele morar em um lugar rural, onde há pouquíssima comunicação com outras pessoas. O ambiente em que ele vive, pode ter o tornado um homem quieto e incomunicável.

Ex.: “(...) Nosso pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo; e sendo assim desde mocinho e menino, pelo que testemunham as diversas sensatas pessoas, quando indaguei a informação. (...)”

O jeito incomunicável e isolado das personagens de Guimarães Rosa, de repente, pode estourar em uma demência inédita, ou seja, acabam por fazer coisas que jamais seriam previstas. Essa característica está presente no conto “A terceira margem do rio”. O homem quieto tem a ideia de encomendar uma canoa forte, que durassem muitos anos na água. O motivo da encomenda não foi revelado à família. Seu objetivo era ficar nela por toda a sua vida, longe de sua esposa e filhos por opção própria. Este ato imprevisível surpreende a família, que não encontra meios concretos para explicar o ocorrido.

Ex.: “(...) Sem alegra nem cuidado, nosso pai encalçou o chapéu e decidiu um adeus para a gente. (...)”

O acontecido, a decisão inédita do homem, foi algo que até então não era comum e nem de conhecimento da população. O ocorrido foi então motivo de alvoroço entre as pessoas, que tem para si o acontecimento com forma de fatalidade.

Ex.: “(...) As vozes das notícias se dando pelas certas pessoas - passadores, moradores das beiras, até do afastado da outra banda – descrevendo que nosso pai nunca se surgia a tomar terra, em ponto nem canto, de dia nem de noite, da forma como cursava o rio, solto solitariamente. (...)”


Personagentes

Em “A terceira margem do rio”, o pai e o filho são considerados personagentes, pertencem aos dois grupos e são mais que personagens, não chegando a serem protagonistas. No conto, há a presença dos dois grupos de personagentes: os loucos e as crianças.

Os loucos são representados pelo pai da família. Ele é tido como demente ao tomar a decisão de ficar em uma canoa, sobre o rio, sem nunca mais pisar em terra firme e de viver longe da família.

Ex.: “(...) Nossa mãe, vergonhosa, se portou com muita condura; por isso, todos pensaram de nosso pai a razão em que não queriam falar: doidera. (...)”

Entretanto, surgem entre a população várias respostas que possam esclarecer o ato imprevisto do homem. As conclusões do povo a respeito do acontecido são, na verdade, conclusões do próprio autor, descritas por ele através das pessoas. Cabe ao leitor julgar essas respostas entre coerentes ou inviáveis, montando sua própria interpretação. É um espaço de reflexão disponível ao leitor por Guimarães Rosa.

Ex.: “(...) Só uns achavam o entanto de poder ser também pagamento de promessa; ou que nosso pai, quem sabe, por escrúpulo de estar com alguma feia doença, que seja, a lepra, se desertava para a outra sina de existir. (...)”

Neste trecho, é possível verificar a presença da religião, a crença no milagre, e a sede do sobrenatural entre o povo. Segundo eles, algum pedido alcançado pelo homem, pode descrever a sua atitude como uma forma de pagar promessa.

Pelo fato do filho, com o passar dos anos, estar absorvendo gradualmente a demência do pai, quando adulto pode ser encaixado no grupo dos loucos. Como restou somente ele da família para preocupar-se com o pai, acaba por envolver-se de tal forma com a situação, chegando ao ponto de culpar-se por algo que ele mesmo não tem certeza do que se trata, e muito menos sobre seu envolvimento.

Ex.: “(...) Apertava o coração. Ele estava lá, sem a minha tranqüilidade. Sou o culpado do que nem sei, de dor em aberto, no meu foro. (...)”

Sem respostas concretas e verdadeiras para o acontecido, a alienação do homem é aceita como parte dolorosa da rotina da vida. Com o passar do tempo, ao perceberem que a situação não mudava, aprendem a lidar com a decisão do homem e entendem como um acontecimento normal. Tomam essa atitude para amenizar a angústia da família, porém ainda sofriam ao lembrarem-se do homem. Aceitar a alienação como algo normal e pertinente na vida é característica que está presente na maioria dos contos de Guimarães Rosa.

Ex.: (...) A gente teve de se acostumar com aquilo. As penas, que, com aquilo, a gente mesmo nunca se acostumou, em si, na verdade. (...)”

“(...) Minha mãe se mudou, com o marido, para longe daqui. Meu irmão resolveu e se foi, para uma cidade. Os tempos mudavam, no devagar dos tempos. Nossa mãe terminou indo também, de uma vez, residir com minha irmã, ela estava envelhecida. (...)”

A possível loucura do homem, não é explorada por Guimarães Rosa como uma doença em si, mas como campo propício à invasão do imaginário, das variantes da interpretação em relação ao ato do homem. A busca incessante de uma resposta que esclareça tudo, fica a critério do leitor, de acordo com a sua interpretação. Guimarães procura fazer com que o leitor julgue os fatos e esclareça os mistérios no seu íntimo.

Ao lado dos loucos está presente o grupo das crianças, representado por uma das fases da vida do narrador, de quando era menino, momento em que teve de lidar com a ausência do pai. Essa falta, faz com que o narrador quando criança indague a si mesmo por que o pai tomou tal atitude. Utilizando da sua inocência, pureza e inteligência, parte para a busca de entender a situação.

Ex.: “(...) O severo que era, de não se entender, de maneira nenhuma, como ele agüentava. (...)”

A criança então desvia o seu olhar sobre o mundo e procura vê-lo de maneira diferente. Ele capta a situação que está ocorrendo, os sentimentos, emoções e problemas que a envolve, usando de sua pureza para desvendar os mistérios acerca do pai e buscar uma resposta.

Ex.: “(...) Eu mesmo cumpria de trazer para ele, cada dia, um tanto de comida furtada: a idéia que senti, logo n primeira noite, quando o pessoal nosso experimentou de acender fogueiras, em beira do rio, enquanto que, no aluminado delas, se rezava e se chamava. (...)”

O menino percebia a passagem do tempo, ao ver que o pai permanecia os últimos anos de sua vida envelhecendo sobre a canoa.

“(...) De dia e de noite, com sol ou aguaceiros, calor, sereno, e nas friagens terríveis do ano, sem rumo, só com o chapéu velho na cabeça, por todas as semanas, e meses, e os anos – sem fazer conta do se-ir do viver. (...)”

De início, a novidade acerca da atitude do pai, levou a criança a ter vontade de ir com ele. Isso pode ser explicado pelo querer descobrir coisas novas, desvendar o mundo, levado pela inocência e pureza da infância.

Ex.: (...) O rumo daquilo me animava, chega que um propósito perguntei: - “Pai, o senhor me leva junto, nessa sua canoa? (...)


Enfoque e perspectiva

Em “A terceira margem do rio”, o ponto de vista do autor, tem papel fundamental para que o leitor, no decorrer do conto monte sua interpretação em relação aos acontecimentos e ao desfecho. A exigência de um leitor raciocinante, que seja capaz de dar a volta na história e repensá-la, é observada no conto. Guimarães começa a formular idéias e propostas para que o leitor, de início à sua interpretação e montagem da história.

Ex.: “(...) Mas se deu que, certo dia, nosso pai mandou fazer para si uma canoa. (...)”

“(...) Seria que, ele, que nessas artes não vadiava, se ia propor agora para pescarias e caçadas?

“(...) Mas teve de ser toda fabricada, escolhida forte e arqueada, em rijo, própria para dever durar na água por uns vinte ou trinta anos. (...)”

Os personagentes do conto e a própria história podem ser fruto de experiências da vida do autor. Possivelmente extraiu características e fatos ocorridos na sua vida, e as inseriu na história.

O conto “A terceira margem do rio” é narrado em 1° pessoa, que não corresponde ao “eu” do autor. A primeira pessoa corresponde ao filho do homem, o narrador personagem, que toma a decisão de se separar da família para viver sobre a canoa. O filho como narrador descreve a atitude do pai, o choque dessa atitude para ele e para a família, e o seu pensamento, interpretação e visualização do momento, perante a situação do pai.

A narração em 1° pessoa, no conto, é dividida em duas partes: o narrador na sua infância e o narrador adulto, velho. A narração feita pelo homem em sua infância, é caracterizada pelo olhar inocente e puro do menino, que no seu interior capta os sentimentos e emoções de todos que estão a sua volta. Procura fazer muitas descobertas em relação aos mistérios que envolvem sua família.

Ex.: “(...) Surpresa que mais tarde tive: que nossa mãe sabia meu encargo, só se encobrindo de não saber; ela mesma deixava, facilitando, sobra de coisas, para o meu conseguir. Nossa mãe muito não se demonstrava. (...)”

A narração feita pelo homem já adulto, é marcada pela angústia, sofrimento e sentimento de culpa que o narrador sente por ver o pai no fim de sua vida, sobre uma canoa. Entende-se que nesse momento, o narrador está se envolvendo com a alucinação do pai.

Pode-se dizer que a passagem do narrador da infância, para a fase adulta é marcado por ele sendo contagiado gradualmente pela demência do pai.

Ex.: “(...) Eu fiquei aqui, de resto. Eu nunca podia querer me casar. Eu permaneci aqui, com as bagagens da vida. (...)”

“(...) Sou homem de tristes palavras. De que era que eu tinha tanta, tanta culpa? (...)”


Estrutura

No decorrer do conto “A terceira margem do rio”, Guimarães Rosa vai graduando a emoção, cria suspenses e a expectativa de um desfecho certo, interpretado pelo leitor. A conclusão feita pelo leitor está influenciada pela participação escondida de Guimarães, ou seja, ele arma circunstâncias e fatos que levam o leitor pensar e concluir no seu íntimo, sobre o fim do conto. Porém, no final da narrativa, o leitor se depara com situações pela qual ele não imaginava na sua interpretação.

Em “A terceira margem do rio”, Guimarães Rosa emprega o anticlímax. O autor menciona fatos e suposições em relação ao menino, de que com o passar dos anos, ele ficava muito parecido com o pai. Também está relacionado à suposição feita por Guimarães Rosa, de que ao passo que envelhecia, o garoto absorvia cada vez mais a demência do pai, por se envolver demais a ele. O leitor conclui a partir dos fatos mencionados e pela montagem de um desfecho certo influenciado pelo próprio autor, que o menino quando adulto terá o mesmo fim do pai.

Essa ideia é reforçada ainda mais ao leitor, no momento em que o garoto já adulto, velho e possivelmente louco, oferece-se ao pai para ficar no seu lugar.

Ex.: “(...) Às vezes, algum conhecido nosso achava que eu ia ficando mais parecido com o nosso pai. (...)”

“(...) Soubesse – se as coisas fossem outras. Eu fui tomando idéia. (...)”

“(...) Pai, o senhor está velho, já fez o seu tanto... Agora, o senhor vem, não carece mais... O senhor vem, e eu, agora, quando que seja, a ambas vontades, eu tomo o seu lugar, do senhor, na canoa. (...)”

Após escutar o que o filho disse, o velho ficou de pé sobre a canoa e remava em direção à margem. Essa situação montada pelo autor reforça ainda mais o desfecho certo criado e interpretado no íntimo dos leitores.

Ex.: “(...) Ele me escutou. Ficou em pé. Manejou remo n’água, proava para cá, concordado. (...)

Porém, o leitor é surpreendido com um final totalmente diferente. O filho volta atrás na sua decisão, não toma o lugar do seu pai na canoa, fugindo do lugar, e nunca mais tornou a vê-lo. O autor, para não frustrar o seu “público”, explica o porquê do ocorrido, através do homem que toma essa imprevisível decisão.

No momento que o filho mencionava sua decisão, viu pela primeira vez em tantos anos, um gesto de saudação vindo do seu pai. Tal atitude provocou nele espanto e pavor, fazendo-o correr do lugar.

Ex.: “(...) E eu tremi, profundo, de repente: porque, antes, ele tinha levantado o braço e feito um saudar de gesto – o primeiro, depois de tantos anos decorridos! (...)”

“(...) Por pavor, arrepiados os cabelos, corri, fugi, me tirei de lá, num procedimento desatinado. (...)”

Mais uma vez verifica-se na necessidade de um leitor raciocinante e colaborador, a fim de largar as suas conclusões, para dar uma volta na história e repensá-la.

O autor, sobre esse desfecho, abre um espaço para que o seu público leitor tire suas conclusões sobre essa atitude inesperada: se foi um ato de covardia, concordando com o próprio narrador que diz não ser mais homem depois do ocorrido, ou um ato que demonstra que o filho realmente não estava louco, como supunha o autor aos leitores.

Ex.: “(...) Sofri o grave frio dos medos, adoeci. Sei que ninguém soube mais dele. (...)”

“(...) Sou homem depois desse falimento? Sou o que não foi, o que vai ficar calado. (...)”

“A terceira margem do rio” é uma história cheia de atos imprevisíveis praticado pelos seus personagens, reforçando a necessidade de um leitor atencioso e capaz de moldar a história e interpretá-la com base nos seus acontecimentos. O conto não está em ordem e seqüência certa. As respostas para os acontecimentos que se seguem estão em detalhes, escondido no título e durante o desenrolar do conto.

Guimarães Rosa esconde a explicação do desfecho da história no título. O rio, cenário fundamental para desenvolver do conto, possui duas margens. A terceira margem, descrita por Guimarães no título, seria a vida do velho pai, que permanece na canoa, sendo carregado pelas águas. O destino do homem está entregue às águas do rio. Permanecerá no rio para sempre, e morrerá nele. As águas o guiarão, até o fim de sua vida.

Ex.: (...) Mas então, ao menos, que, no artigo da morte, peguem em mim, e me depositem também numa canoinha de nada, nessa água, que não para, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro – o rio.

Choque estilístico

Guimarães Rosa fez sua primeira aparição na literatura como escritor regionalista. No entanto, não usa de métodos do regionalismo inteiramente incorporados nos contos, como adotar unicamente a linguagem regional, restringindo-a a fala das personagens.

Nos contos de Primeiras Estórias, com ênfase em “A terceira margem do rio”, há a presença de termos regionalistas. Guimarães Rosa deixa a linguagem popular infiltrar na linguagem culta. Esse mecanismo é uma forma do autor aproximar-se cada vez mais da vida das personagens.

Ex.: “(...) Do que eu mesmo me alembro... (...)”

“(...) No que num engano. (...)”

O uso dessas oralidades, tanto na narração, quanto na fala das personagens, pode ser explicado pelo pouco convívio do autor com as pessoas do lugar onde se desenrola o conto. Ora mescla uma oralidade, ora mescla a linguagem padrão.

Ex.: “(...) “Cê vai, ocê fique, você nunca volte. (...)”

“(...) Sem fazer véspera. (...)”

Muitas oralidades descritas pelo autor no conto, podem não ser de conhecimento dos leitores. Ao penetrar as oralidades da linguagem popular, falada no dia-a-dia, na linguagem culta, o autor está testando a sua flexibilidade, moldando-a de acordo com sua vontade.

Os acontecimentos e personagens de “A terceira margem do rio” podem ter realmente acontecido ou existido, assim como a história do conto, pode ser algo ficcional, Guimarães Rosa, pode ter moldado a história sobre alguma realidade que o autor tenha presenciado na sua vida.

No conto, o autor gosta de trabalhar com frases curtas, para prender a atenção dos leitores.

Ex.: “(...) Era a sério. (...)”

“(...) Nosso pai não voltou. (...)”

Há a presença da influência naturalista.

Ex.: “(...) Mas eu sabia agora que ele virava cabeludo, barbudo, de unhas grandes, mal e magro, ficado preto do sol e dos pelos, com aspecto de bicho, quase nu. (...)”

Guimarães utiliza da constante repetição de palavras.

Ex.: “(...) Se o meu pai, sempre fazendo ausência: e o rio-rio-rio, o rio – pondo perpétuo. (...)”

A repetição da palavra rio, mostra a insatisfação do filho com este ambiente, por ser ele o principal motivo que o separa de seu pai.